A nova investida do governo para precarizar o trabalho

O Governo Federal colocou em consulta pública, na quinta-feira (21/01) o decreto que “regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista e institui o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas e o Prêmio Nacional Trabalhista”. A minuta do decreto estará em consulta pública até 19 de fevereiro, para que os atores sociais façam sugestões ao texto. Pode ser acessado também neste sítio eletrônico: https://www.gov.br/participamaisbrasil/decreto-legislacao-trabalhista
Desde a chegada da Reforma Trabalhista, com a Lei 13.467/17 as mudanças na legislação laboral são constantes, o governo, anualmente, elabora novo “pacote de maldades” nas normas do trabalho, retirando direitos dos trabalhadores. Análise preliminar evidencia que este, sem sombra de dúvida, é o mais audacioso, pois faz várias mudanças no código legal laboral, por meio decreto.
Confira a análise detalhada que o assessor jurídico da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Magnus Farkatt faz:
O anteprojeto viola o artigo 8º da Constituição
O governo tem o objetivo de compilar em uma única norma jurídica todos os decretos e portarias que regulamentam a legislação trabalhista. Supostamente, também alimenta o propósito de desburocratizar o Direito do Trabalho.
Compõe-se de nada menos que 180 artigos, cabendo lembrar que as MPs 927 e 936 continham cerca de 30 artigos cada. São 19 subtítulos abordando temas como o descanso semanal remunerado, programa de alimentação, normas sobre trabalho temporário, terceirização, trabalho rural e uma série de outras matérias.
Como todo e qualquer iniciativa deste governo, a proposta contém contrabandos e o objetivo de desconstruir direitos dos trabalhadores e debilitar a organização sindical.
Farkatt focou sua análise em sete itens que considerou os mais relevantes. Apontou, em primeiro lugar, o artigo 17 da minuta de decreto. Prevê a criação de um canal eletrônico para receber denúncias e formular pedidos de fiscalização junto à Secretaria do Trabalho, mas não faz em nenhum momento qualquer referência aos sindicatos.
Entidades privadas podem ingressar com denúncias e pedidos de fiscalização e quem define quais entidades privadas que têm este direito, ao que tudo indica será o Ministério da Economia. Eles querem criar dificuldades para que as entidades sindicais cumpram o papel de fiscalização das relações e condições de trabalho.
Ao mesmo tempo, a pretexto de diversificação, abrem a possibilidade de que até uma ONG seja legitimada a cumprir um papel que constitucionalmente é assegurada aos sindicatos. É evidente a intenção de reduzir o protagonismo do movimento sindical, o que por sinal já está em curso desde o golpe de 2016 e a reforma trabalhista aprovada em 2017.
Enfraquecendo os sindicatos
O segundo aspecto que apontou reside no artigo 18 do anteprojeto, que contém uma série de normas de fiscalização preventiva com objetivo de evitar acidentes e doenças ocupacional. Seria elogiável, mas não há qualquer referência aos sindicatos. A tentativa é desconstruir o papel das organizações sindicais em tudo que afeta os trabalhadores.
Fala-se, genericamente, de entidades representativas dos setores envolvidos. Mas o que são? A resposta vai depender do Ministério da Economia, cuja hostilidade ao movimento sindical e às lutas sociais é notória. A direção do Banco do Brasil, apegada à política privatista, pode eleger a Associação dos Funcionários em detrimento do sindicato como mais representativa dos bancários.
Sem fazer juízo de valor sobre a representatividade das associações dos funcionários, o que teríamos num caso deste seria a retirada de atribuições e poderes que a Constituição e a legislação trabalhista atribuem claramente às entidades sindicais.
Princípios incompatíveis
Já o artigo 23 cria um conjunto de princípios a serem observados no processo de revisão das Normas Reguladoras. Cabe observar que princípios do Direito do Trabalho, estabelecidos na Constituição, na legislação trabalhista e na jurisprudência, não podem ser definidos por decreto.
Além disto, propõe-se o princípio de preservar a saúde do trabalhador e ao mesmo tempo garantir os interesses da livre iniciativa e o “pleno emprego”. Ocorre que são dois princípios distintos e nem sempre compatíveis.
Se for considerado que uma NR criada para preservar a segurança e a saúde do empregado atenta contra a livre iniciativa, na medida em que afeta a possibilidade de expansão da empresa, esta norma será abolida. Teremos dificuldades futuras para criação de novas NRs e revisão das existentes.
Segurança e saúde do trabalhador
Uma quarta questão transparece no artigo 25 e também diz respeito à segurança e saúde no trabalho. A proposta negligencia os riscos de porte médio e pequeno, querendo prioridade exclusiva para riscos de morte ou incapacitação permanente. Corremos o risco de não ter qualquer espécie de disciplina futura que regulamenta NR de riscos médios e pequenos.
O artigo 27, ao prever consulta pública para revisão das NRs, determina que as entidades mais representativas de trabalhadores e empregadores devem contribuir para a elaboração de novos princípios, mas não menciona entidades sindicais. Será quem o Ministério da Economia entender como tal. Tudo é feito com o claro objetivo de minimizar papel dos sindicatos.
Iniciativas semelhantes para debilitar o movimento trabalhista foram observados em alguns países europeus sob orientação de governos neoliberais, como Inglaterra e Itália, que reduziram progressivamente as atribuições e poderes do movimento sindical enquanto destruíam e flexibilizavam direitos.
Negociado sobre o legislado
O sexto ponto apontado pelo assessor jurídico da CTB dispõe, no artigo 35, sobre mediação coletiva e título executivo extra judicial, sempre que houver mediação entre o sindicato e a empresa exercida pelo Ministério da Economia.
O acordo transforma-se em título executivo extra judicial, o que significa que não há necessidade de recorrer ao Judiciário para que prevaleça. “Já podemos pegar o título executivo extra judicial, que tem a mesma força de um Termo de Ajustamento de Conduta celebrado pelo Ministério Público do Trabalho, e iniciar a execução da dívida. Ou seja, acelera o cumprimento do que for acordado”.
Mas qual o problema?, indaga Magnus Farkatt. “Não se cria nenhuma exceção, tudo vale”, ampliando a prevalência do negociado sobre o legislado, o que o advogado considera “um risco muito grande”, pois não se leva em conta a possibilidade muito real de que acordos lesivos aos trabalhadores e à margem da legislação trabalhista podem ser assinados.
Descanso aos domingos
Finamente, o artigo 165 remete ao descanso semanal remunerado, estabelecendo que podem ser gozados preferencialmente aos domingos, ao contrário do que determina CLT, ou seja obrigatoriamente aos domingos, exceto para algumas categorias especiais ou evento de força maior.
Pelo artigo 165 do anteprojeto de Bolsonaro e Guedes o descanso aos domingos ocorrerá apenas quando o empregador considerar cabível. Não haverá obrigatoriedade, ao contrário do que determina o artigo 67 da CLT. Estamos diante de mais uma ilegalidade, pois o artigo 67 da CLT não foi revogado, está em pleno rigor.
Não é a primeira vez que, contemplando interesses do empresariado e desprezando os direitos trabalhistas, o governo busca alterar a norma celetista e deixar ao livro arbítrio patronal a definição do dia do descanso semanal remunerado. Tentou isto, antes, mas sem sucesso, através da MP 905/19, que acabou revogada.
O advogado alertou que a legislação municipal não se sobrepõe aos decretos, segundo a CLT. Isto significa que se tal decreto for aprovado normas a respeito do trabalho aos domingos favorável aos empregados estabelecidas através de lei municipal serão atropeladas, a menos que os patrões decidam respeitá-las por conta própria, o que é muito pouco provável.
Constituição violada
O professor Gilson Reis, coordenador nacional da Contee, afirmou que todo processo é realizado sem debate. “Esta situação merece uma denúncia pública, a Constituição sendo rasgada e o decreto tem um claro viés de deslegitimação das entidades sindicais. As centrais sindicais devem elaborar uma plataforma comum. Não podemos ficar inertes diante desta proposta”, proclamou.
Magnus Farkatt também identificou inconstitucionalidades no anteprojeto, que viola claramente artigo 8º da Lei Maior, que determina que o sindicato é o legítimo representante dos direitos e interesses dos trabalhadores na esfera judicial e também extra-judicial. O decreto exclui os sindicatos da formulação de denúncias.
Fonte:CTB-Nacional